Nas férias de Verão dou-me conta da altura da pilha de livros que tenho para ler. Ritmo de leitura, compras compulsivas, estados de espírito condicionam o ritmo da leitura e, consequentemente, da altura da pilha. Este ano, na mala de viagem trago:
“Bem comer & curiosidades”, de José Quitério, da chancela Documenta. Trata-se de reunir num único tomo Livro de bem comer e Histórias e curiosidades gastronómicas, há muito esgotados, mas agora depurados, a que se juntaram alguns textos de Escritores à mesa (e outros artistas). Durante anos, e sob a sua pena, ficámos a conhecer melhor o nosso património gastronómico. Nas páginas do Expresso lembro-me de ler uma prosa elegante e por vezes rebuscada sobre a nossa cultura gastronómica, mas sempre escrita com seriedade.
“A history of food in 100 recipes”, de William Sitwell (Little Brown). Alicerçado numa sólida pesquisa, cada capítulo começa com uma receita, onde numa narrativa espirituosa e repleta de factos académicos, se efectua o percurso da nossa civilização através da alimentação e da culinária. As receitas incluem desde o pão egípcio, ao chocolate quente asteca, passando pela “meat fruit" de Heston Blumenthal.
O número de Junho da “Tapas Magazine” da Spainmedia. A minha amiga I. deu-me a conhecer esta interessantíssima revista e estou rendida. Com pouco mais de um ano, esta revista ganhou recentemente o prémio melhor publicação em papel, outorgado pela Academia Real de Gastronomía, no âmbito do Premio Nacional de Gastronomía. Disponível em língua espanhola e inglesa, apresenta-se como oferecendo “una gastronomía irreverente, curiosa, fresca y transversal”, com um trabalho fotográfico e gráfico deslumbrantes. A comida e a gastronomia constituem o eixo central desta revista de lifestyle, servindo apenas de “desculpa” para contar histórias de gente que come, bebe, cozinha, produz ou que tenha a ver com o sector ainda que remotamente (pense-se nos decoradores de restaurantes, nos fabricantes de loiças, nas viagens, etc). Alguns conteúdos estão disponíveis online:
No caso é Henrique Mouro que nos dá o arroz e este último é o cereal que domina a carta do Bagos. Há algum tempo que não tínhamos a oportunidade de reencontrar a mão e o tempero deste chef, que deixou boas memórias a quem frequentou o Assinatura.
O recentissímo projecto parece-me diverso daquele que criou em 2010, sem menú de degustação e centrado numa matéria-prima, in casu, o arroz. Este cereal tão importante em terras do Oriente viajou para outras paragens e enraizou-se por terras lusas e nas nossas mesas.
Basta percorrer o índice da bíblia portuguesa do nosso património culinário português que é a Cozinha Tradicional Portuguesa de Maria de Lourdes Modesto, para testemunhar que o arroz está presente no receituário português de norte a sul. Por conseguinte, parece haver espaço a uma carta monotemática, digamos assim, sem que seja necessariamente enfadonha.
A criatividade do Bagos é servida numa sala que se espraia em dois níveis e que acomoda uma trintena de lugares, decorada singelamente em tons de branco e preto.
E na minha estreia no Bagos fui recebida com um filete de sardinha, numa espuma caldosa e fofa de tomate com sabor de caldeirada e ligeiramente cítrico no final, uma cortesia do chefe.
Para começar, as propostas passam pelo aveludado de galinha com amêndoas torradas ou os fios com legumes e camarão, coentros e saté. Como pratos principais, cinco propostas com peixe e quatro com carne. Do capítulo peixes, destaque para o malandro com berbigão, nabiças e bacalhau (a opção escolhida) e de lingueirão com limão e açafrão das índias. Do domínio carnívoro, realce para o arroz de cabidela com uma pedra cheia de farinheira, assim como com vazia de maronsesa numa espécie de bitoque. No capítulo das sobremesas, a base passa pelo arroz doce, na sua vertente clássica e tradicional (com canela), mas também num soufflé com framboesas e menta.
A opção escolhida apresentou-se com o grão cozido no ponto, envolto no liquído onde os berbigões abriram e na nabiça cortada. No topo, uma generosa e macia posta de bacalhau. A nabiça conferiu textura e não era ácida, apresentando-se o caldo com um sabor equilibrado. Por sua vez, o soufflé, com a combinação da canela e frutos vermelhos, estava fofo e saboroso.
Remonta ao princípio do século XX a delimitação da Região Demarcada do Dão. O seu percurso e evolução conheceu êxitos e vicissitudes de outras regiões demarcadas, mas nas últimas décadas o Dão esteve a maior parte do tempo ausente da ribalta. Não faltam, porém, condições para que o Dão brilhe: o clima, os solos e a variedade de castas tornam os vinhos oriundos desta região únicos.
Nas castas brancas, destaque para o encruzado e a malvasia fina que conferem estrutura equilibrada, a elegância e um aroma discreto. Nas tintas, a touriga nacional (de que o Dão se arroga ser o berço) e a Jaen. Uma cor e pujança; a outra, macieza e notas delicadas de frutos vermelhos.
A mostra de vinhos do Dão que teve lugar no passado fim-de-semana em Lisboa foi assim a possibilidade de conhecer um pouco mais a produção vitivinícola desta região.
E na memória ficaram registados os vinhos da Quinta da Ponte Pedrinha e da Caminhos Cruzados.
Da primeira, com alguns pergaminhos, destaque para o branco de 2015, fresco, elegante e suave. Dos tintos, a reserva 2011 (touriga nacional, tinta roriz, alfrocheiro), revelou-se com cor concentrada, pouco expressivo no olfacto e palato, mas não por isso menos interessante. A touriga nacional de 2012 encheu bem mais as minhas medidas.
Já a Caminhos Cruzados, apesar de estar ainda a dar os primeiros passos, mostra muitíssimo potencial e a gama Titular reflecte a riqueza do terroir. Provados foram o Titular encruzado/malvasia fina, que se mostrou equilibrado, sóbrio e elegante, e o inesperado Titular Jaen, com personalidade mas sem ser exuberante, e uma surpresa com as possibilidades desta casta. A chave de ouro foi o Teixuga de 2013, um encruzado de complexidade rica, com ligeiríssima acidez, mas puro veludo, que elevam esta casta a néctar digno do Olimpo.
Do último andar de um dos edifícios da LX Factory vista magnífica para a minha cidade. Rio Tejo. Ponte 25 de Abril. Cristo-Rei. O cenário e o nome do restaurante (Rio Maravilha) conduzem-me a evocar a cidade onde o meu avô materno, paraense, nascido em Belém, viveu praticamente toda a sua vida (Rio de Janeiro) e a vista desde o Cristo-Redentor. Baía da Guanabara. Lagoa Rodrigo de Freitas. Jockey Club.
As referências tropicais e lusas pontuam o espaço (na parede e nas mesas) e as influências gastronómicas dos dois lados do oceano Atlântico estão presentes na carta construída a pensar na partilha entre os convivas. Iniciou-se a noite pelos chips de mandioca e torresmos acompanhados de ketchup caseiro, crocante de polenta e queijo e a cecina, favas frescas, mirtilos, gelado de leite fumado e germinados de cebolinho.
Dos três, o eleito foi inequivocamente a cecina: a carne apresentou-se ligeiramente fumada, nada seca, que casou na perfeição com o inusitado gelado.
Dali passagem ao atum braseado com morangos marinados em soja e sisho, acompanhado de legumes assados e uma salada verde (lamentavelmente muito pobrezinha) e ao arroz cremoso de pato, alcachofra e espinafres selvagens. O atum irrepreensivelmente cozinhado e arroz esteve à altura do nome: cremoso mas com cozedura ligeiramente incompleta, conferindo-lhe mais textura.
Para remate pavlova com frutos vermelhos, com gelado de framboesa e creme de pistácios. E em matéria de pavlovas, digamos que vão ter que praticar mais a arte de domesticar o forno.
Mesmo sem ser para jantar, a vista esplêndida e os cocktails (fiquei fã do tangerina fizz) convidam a estacionar por aqui.